Fibrose cística: ‘supermedicamento’ de R$ 92 mil chegou ao SUS
Doença atinge cerca de 6 mil pessoas no Brasil, sendo que 74% são crianças e adolescentes
Um novo tratamento para fibrose cística já está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se do Trikafta (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor e ivacaftor), da Vertex Farmacêutica. O medicamento age efetivamente na causa da doença, aumentando a qualidade e expectativa de vida dos pacientes.
“O anúncio da nova terapia, agora disponível no Brasil pelo SUS, marca um avanço significativo, trazendo uma nova opção terapêutica para pacientes com fibrose cística e suas famílias. A partir de agora, pacientes elegíveis com 6 anos ou mais têm acesso a um tratamento que ao visar a causa da doença, vem assegurar melhor qualidade de vida”, afirma a médica Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, membro da Academia Nacional de Medicina (ANM) e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), em comunicado.
O medicamento pertence à uma classe chamada “moduladores da função da CFTR”. Desenvolvida em 2012, essa classe representou uma mudança no paradigma da doença, pois, pela primeira vez, foi capaz de tratar o defeito básico da fibrose cística.
A doença é causada por mutações no gene CFTR, responsável pela regulação de cloreto e do bicarbonato entre os meios intracelular e extracelular das células das glândulas mucosas. Isso faz com que as secreções do corpo fiquem viscosas e grudentas, o que afeta diversos órgãos.
— O catarro fica grudento. Os pacientes têm tosse crônica e infecções pulmonares recorrentes porque como o catarro é viscoso, eles não conseguem expeli-lo pela tosse e o acúmulo dessa secreção no pulmão torna o ambiente propício a infecções bacterianas. O pâncreas é afetado porque as secreções mais viscosas entopem a liberação de enzimas produzidas pelo órgão, que ajudam a digerir gordura. Esses pacientes não conseguem absorver a gordura, têm diarreia e desnutrição, o que também atrapalha a pneumonia e vice-versa — explicou o médico geneticista e colunista do GLOBO Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba, em entrevista anterior sobre o assunto.
Não existe cura e, sem tratamento, a doença progride se tornando letal. Metade dos óbitos ocorre antes dos 18 anos. Devido às repetidas pneumonias, não é incomum a necessidade de transplante de pulmão entre esses pacientes. Os moduladores da função da CFTR mudam essa realidade, proporcionando mais qualidade de vida aos pacientes.
Além do Trikafta, existem outros três medicamentos nessa classe. São eles: ivacaftor (Kalydeco), lumacaftor/ivacaftor (Orkambi) e ivacaftor/tezacaftor (Symdeco). Cada um atua a partir de mutações específicas.
O ivacaftor, por exemplo, alcança aproximadamente 60 pacientes elegíveis no Brasil. Eles foi incorporado ao SUS em dezembro de 2019. O lumacaftor/ivacaftor (Orkambi) e o ivacaftor/tezacaftor (Symdeco) foram avaliados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), mas a incorporação ao SUS foi negada devido ao alto preço: R$ 604.711,90 e R$ 617.519,14, respectivamente. Esse valor diz respeito ao custo anual do tratamento, por paciente.
O Trikafta é indicado para pessoas vivendo com fibrose cística com idades a partir de 6 anos, que possuem pelo menos uma mutação F508del no gene modulador CFTR . Ele é o mais moderno dos medicamentos dessa classe e também o mais caro.
Conforme os valores estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), a caixa pode ser comercializada no Brasil por até R$ 92 mil. No entanto, também é o mais eficaz, pois abrange o maior número de pacientes. Cerca de 1.700 brasileiros com a doença poderão se beneficiar do novo tratamento.
Segundo Raskin “esse é um super remédio”.
— Na Europa e nos Estados Unidos, muitas pessoas se referem a ele como um “milagre” porque ele melhora muito a qualidade de vida dos pacientes ao praticamente acabar com os problemas pulmonares, além de aumentar muito a expectativa de vida, que atualmente é em torno dos 40 anos de idade — pontua Raskin.
Sua disponibilização no SUS vem depois de intensas solicitações de associações de pacientes de fibrose cística e grupos da sociedade civil. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, 34 associações de pacientes de fibrose cística e grupos da sociedade civil pediram que o governo federal ampliasse o acesso a essa classe de medicamentos por meio da licença compulsória, também conhecido como quebra de patente.
Mas a ação não foi necessária. Em setembro do mesmo ano, a Conitec aprovou a incorporação do medicamento e este mês ele chegou aos pacientes.
A fibrose cística é a doença genética grave mais comum da infância no Brasil. De acordo com dados do Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística (GBEFC), existem 6.112 pacientes identificados no país, dos quais 74% são menores de 18 anos.
“O acesso rápido ao Trikafta para os pacientes elegíveis no Brasil foi possível graças à forte colaboração com as autoridades de saúde e foi alcançado apenas sete meses após a recomendação final positiva concedida pela Conitec, em setembro de 2023. Agradecemos às autoridades por trabalharem com urgência ao nosso lado para alcançar este marco para a comunidade de fibrose cística no Brasil, proporcionando acesso a uma terapia moduladora de CFTR que tem o potencial de mudar o curso da doença em um estágio inicial,” disse Fernando Afonso, gerente da Vertex no Brasil, em comunicado.
Fonte: O Globo